Brasil 9 de julho de 2015
A redução da pobreza no Brasil sempre foi uma bandeira que o PT brandiu com destemor. E ela é real. De acordo com os números oficiais do próprio Ipea, havia 26,24 milhões de pobres no Brasil em 2003, primeiro ano do governo Lula. Em 2012, esse número caíra mais da metade, para 10,08 milhões. Em 2013, como viemos a saber depois da eleição, o número sofrera uma ligeira alta, de 3,7%, para 10,45 milhões. Foi esse o dado que Araújo se disse impedido de divulgar.
“Olha, esse aumento é marginal, e a gente tem de falar isso para a população”, disse ele ao então Presidente do Ipea, Serguei Soares, de acordo com a reportagem. “Aí recebi a notícia de que não podia falar com a imprensa por causa da Lei Eleitoral.” Araújo ainda afirmou, segundo o depoimento, ter recebido um e-mail de outro diretor que se queixava de também não poder divulgar resultados, mais ou menos nos seguintes termos: “É, Herton, acho que nesse período de eleição, ‘o que é terra vira mar, e o que mar vira terra’ ”.
O Ipea afirmou que a decisão de não divulgar os dados foi tomada antes que a diretoria os conhecesse, de acordo com orientações estabelecidas pela Controladoria Geral da União (CGU). Não foi, segundo um comunicado do Ipea, para “beneficiar quem quer que seja”. Nas eleições de 2010, os números relativos a 2009, que mostravam continuidade na tendência de redução da pobreza, foram divulgados normalmente.
Criado pelo ex-Ministro João Paulo dos Reis Velloso em 1964, como um centro de pesquisa acadêmica independente, capaz de elaborar políticas públicas, o Ipea foi, até o segundo mandato do governo Lula, considerado absolutamente livre de interferências políticas. Na década de 1970, em pleno regime militar, o Ipea foi responsável por levantar a discussão sobre um tema incômodo, a desigualdade no Brasil. Mas nem os militares cercearam o trabalho dos pesquisadores. Desde 2008, contudo, multiplicam-se as acusações de caça-às-bruxas e viés ideológico nas pesquisas do Ipea. Naquele ano, foram afastados alguns dos maiores economistas do Instituto, de capacidade reconhecida internacionalmente – entre eles Fábio Giambiagi, Armando Castelar, Otávio Tourinho, Gervásio Rezende, Régis Bonelli (talvez o maior expecialista brasileiro em produtividade) e, pouco depois, o próprio pai das políticas de redução da pobreza, Ricardo Paes de Barros. Houve uma mal-disfarçada perseguição a todos os classificados como “neoliberais”.
A esta altura, o menos importante é se o Ipea, hoje um organismo subordinado à Secretaria da Assuntos Estratégicos, seguiu a Lei Eleitoral. Dificilmente isso terá consequências no processo movido contra a candidatura Dilma/Temer. Os aspectos realmente escandalosos são outros. Primeiro, e mais relevante, a perseguição a tudo aquilo que possa fazer sombra à ideia dominante num organismo acadêmico. Todo centro de pesquisas decente precisa estar aberto ao debate de ideias divergentes, desde que academicamente sustentadas, independentemente da orientação ideológica dos autores. O segundo aspecto escandaloso, o mais evidente, é esconder os números aparentemente por desacreditar da inteligência do cidadão para compreendê-los. A alta em 2013, como afirmou Araújo, foi marginal, insuficiente para determinar uma tendência – e em nada desmerece a conquista em matéria de redução da pobreza nos demais anos de governos petistas. Qualquer ser humano dotado das primeiras letras e dos primeiros números, mesmo os mais “neoliberais”, será capaz de entender isso.
Fonte: G1 por: